Por mais chocante que possa parecer, há um número considerável de sonhos que não foram, e não serão realizados porque esses mesmos sonhos sofreram sabotagem dos próprios sonhadores. A parte ilógica disso, e também a mais triste, é que os sabotadores enxergam vantagens inconscientes para que esses sonhos não se realizem mesmo.
Muitas vezes, as atitudes de autossabotagem são claras. Aquela dieta que é maculada por uma barra de chocolate 5 minutos antes de se ir para a cama. O inocente cigarro que desfaz o orgulho de se completar uma semana sem fumar. A dominação da timidez quando o momento exige iniciativa. Outras vezes, os processos de autossabotagem são bastante subjetivos, como a tendência à procrastinação, a estar doente, a chegar atrasado. Ou ainda, o constante desequilíbrio emocional, ou os padrões repetitivos que só geram sofrimento. A primeira reação de grande parte das pessoas é encontrar razões para culpas em outras pessoas pelos seus problemas e objetivos não alcançados.
Tudo isso parece absurdo, e ainda assim os exemplos acima implicam em percepção de ganhos em nível inconsciente a quem os pratica. Os famosos ganhos secundários.
O que motiva alguém quebrar a sua dieta conscientemente? Voltar a fumar? Perder oportunidades? A resposta pode não estar no objetivo ou nos fatos em si, mas sim, na baixa auto-estima da pessoa, que vem se retro-alimentando de crenças limitadoras ao longo de sua existência. Inconscientemente, a baixa auto-estima busca recolher-se no sofrimento. Por alguma razão, aquela pessoa, em seu íntimo, sente que merece ser punida. Mesmo quando se busca uma nova realidade, será um grande desafio adaptar-se à busca de outro padrão que seja favorável ao novo estado desejado, visto que nossa mente, de forma geral, prefere manter-se em padrões reconhecíveis. Assim, vamos apenas repetindo velhos comportamentos que essa nossa mente viciada já conhece.
Talvez quebremos a dieta porque ao mantermos nosso corpo no estado indesejado, nutrimos a esperança de punir esse personagem que não queremos mais viver, e que, no fim das contas, continuaremos vivendo. Talvez voltemos a fumar porque, apesar de sabermos dos males à saúde, nosso caminho inevitável é a morte, e não há razão de se ter auto-estima nesse cenário. Talvez sucumbamos à timidez e apatia para termos certeza mesmo que não somos capazes, e que nem vale a pena começar.
O que pode ganhar alguém que chega constantemente atrasado em compromissos importantes? Que deixa para outro dia uma tarefa que poderia mudar sua vida para melhor? Será a satisfação da crença que "eu sou assim mesmo, e não preciso/consigo mudar"?
O que dizer de pessoas saudáveis que vivem com os mais diversos problemas emocionais e de saúde? O quanto dessas disfunções têm origem psicossomática? Qual o ganho secundário? Atenção e piedade das pessoas que a rodeiam? Parecer altamente espiritualizado em seu martírio?
O processo do ganho secundário não é racional. O inconsciente cria sua própria lógica para disparar os gatilhos da autossabotagem. A descoberta das crenças que alicerçam esses gatilhos só pode acontecer através de uma limpeza profunda de todos os cantos de nossa mente, com a revelação de quais zonas são bem conhecidas e quais zonas são sombrias. E a ressignificação dessas crenças limitantes é o processo capaz de despertar-nos para a responsabilidade pessoal pelos nossos mais altos objetivos e realização dos mais queridos sonhos.
Quão poderoso é um diálogo entre as partes dissonantes de uma pessoa. Entre as partes que desejam chegar aos seus objetivos e te impulsionam, e as partes que têm medo, e te refreiam. Travar um diálogo assim é ultrapassar o portal onde se inicia a estrada do autoconhecimento.
Você tem coragem de iniciar esse diálogo?
Marcelo Pelissioli