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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O trabalho e o tempo

No clássico “O Ócio Criativo” publicado em 1995, o sociólogo Domenico de Masi elaborava uma visão de futuro onde as pessoas trabalhariam menos horas por dia, conseguindo se dedicar mais ao lazer e à criatividade, a fim de conseguirem, com isso, trabalhar com mais eficiência enquanto dedicadas às horas profissionais e, também, possibilitando viver uma vida com mais proximidade às coisas que lhes fazem bem, mais plena de sentido.

Mesmo sendo a ideia da obra muito mais complexa do que a exposta nessas poucas linhas, a impressão geral é que trabalhamos cada vez mais, o que, em muitos casos, é fato. Porém, qual tem sido a eficácia deste “trabalhar mais”? Precisamos despertar para a possibilidade de que o futuro ao qual De Masi se referia possa estar em sua aurora. E isso já está trazendo inúmeras implicações.

Nos últimos anos, o mundo vem presenciando a robotização de vários processos de trabalho. Exemplos disso são a manufatura aditiva (produção em 3D), Internet das Coisas e a Inteligência Artificial, processos atinentes ao que os especialistas chamam de indústria 4.0. Além disso, fechando o foco sobre nosso país, o Brasil vem passando por diferentes recessões econômicas que obrigaram grandes e pequenas empresas a diminuírem turnos de trabalho, ou ainda, suspenderem temporariamente contratos de alguns segmentos profissionais, fatos que, consequentemente, culminaram com o fechamento de centenas de milhares de postos de trabalho nos últimos 5 anos. No fim das contas, temos números que indicam um aumento de 68% no desemprego no país entre o primeiro trimestre de 2015 (7,9%) e o segundo trimestre de 2020 (13,3%) (fonte: IBGE).

Indo mais a fundo, a Reforma Trabalhista de 2017, entre diversas novidades frente ao que reza a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT, compilação de leis publicada em 1943), criou a figura do trabalho intermitente, ou seja, o profissional que pode ser contratado por uma organização apenas quando houver demanda, seja por algumas horas por semana, por um dia por mês, ou por alguns períodos do ano, sem que precise estar necessariamente trabalhando única e exclusivamente para essa organização.

Desde a criação da Reforma, o saldo de postos de trabalho de celetistas (profissional normalmente dedicado por meio turno ou turno integral) diminuiu em 194.649, enquanto foram abertas 170.649 vagas de trabalho intermitente. Se olharmos apenas o período da pandemia, o trabalho intermitente conseguiu apresentar saldo positivo de 27.487 novos postos até julho de 2020, contra o fechamento de 1,09 milhão de vagas formais de trabalho. (fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados -  CAGED).

O crescimento do trabalho intermitente não é apenas uma questão de economia para empresas: é um sinal dos tempos. Gostemos ou não, o mundo profissional vem passando por modificações cada vez mais profundas, liquefazendo ocupações e volatizando padrões de direitos trabalhistas tidos como perenes no imaginário coletivo, o que obrigará o trabalhador a assumir com seriedade a responsabilidade sobre sua própria carreira e, consequentemente, protagonismo sobre a vida. Isso porque a relação clássica entre o trabalho e o sustento já vem se modificando, desde as esferas mais carentes da força de trabalho, até as mais altas.

O aumento desse tipo de contratação precisa despertar a todos da importância de que a tendência é que o pagamento a ser recebido passará a ser baseado muito mais por tarefa realizada do que necessariamente por contrato de horas. Essa já é a realidade de mais de 10 milhões de brasileiros que são microempreendedores individuais (MEI), e destes, um percentual que ainda trabalha para alguma empresa e, no tempo que resta, se dedica a uma atividade profissional de sua livre escolha, geralmente mais alinhada com o que aprecia de fato exercer. Tal qual Domenico De Masi imaginou.

Todas essas formas novas das relações trabalhistas precisam ser assimiladas, pois geram impacto direto na qualidade de vida de todos nós, seja no presente, seja no futuro. Todas essas mudanças, e mais o que virá nesse mundo atual e pós-pandêmico nos forçarão a olhar com atenção ao tempo e sua aplicação prática, para que sejamos capazes de usufruir com responsabilidade e criatividade das melhores oportunidades que ele pode nos proporcionar na vida pessoal e profissional, pois, de todos os bens, o tempo é um dos poucos que não pode ser recuperado.

Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli