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sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O desafio do choque

Não sei se a história é verídica, mas a sua lembrança me serviu muitas vezes pela vida. Quando eu cheguei na adolescência, alguns de meus amigos começaram a buscar um encaminhamento profissional. Muitos deles foram buscar conhecimentos na eletrônica, nos cursos profissionalizantes da época. Esses meus amigos que foram para o lado da eletricidade me diziam que uma das primeiras atividades práticas do curso era aprender a levar choques. Isso mesmo. Para lidar com a eletricidade, precisavam aprender a administrar o medo. Havia uma máquina em que se encostava a mão, e se levava um choque com uma voltagem quase imperceptível, e que ia, pouco a pouco, sendo aumentada, até o ponto onde o aluno suportasse e que não corresse riscos. 

Lenda ou não, essa imagem nunca me saiu da cabeça. E me serve hoje como uma analogia aos "choques" que vamos levando ao longo da vida: alguns mais leves, outros mais fortes, suportá-los ou não nem sempre depende de um exercício automático de vontade. Pode ser que o choque seja tão grande de nos faça reagir com um impulso de fuga, a partir do reflexo de nossa própria autopreservação. Como na simulação da máquina de choques, cada um de nós tem um limite de tolerância. Só que a vida é uma prova real.  Depois do impacto, o que nos resta  é  respirar e colocar novamente nossa mão no choque, até que o exercício acabe. O aprendizado disso é o desenvolvimento da RESILIÊNCIA.

Resiliência não quer dizer que não seremos "amassados" por algumas situações, mas sim, que depois de amassados, possamos voltar a nossa forma original o mais rápido que nos for possível. Em nossos dias, ser positivo virou quase um sinônimo de retidão moral, o que pode transformar uma pretensa positividade em uma tirana cruel, de quem esperamos "dias melhores" que poderão nunca chegar da forma como os imaginamos. A melhor dimensão da positividade é aquela que gera ATITUDES POSITIVAS, ressignificações capazes de desenvolver na pessoa uma cultura emocional que a torne hábil em reconhecer com clareza o que está sentindo, e como decide se comportar a partir daquele reconhecimento.

Somos seres movidos pelas emoções. É a partir delas que tomamos atitudes e delineamos comportamentos, utilizando nosso intelecto para justificar tais comportamentos. Negar emoções que causam desconforto vai apenas torná-las mais fortes, pois todas as emoções nos alavancam ou protegem de algo. Assim, desejar "não sentir" é algo inalcançável aos vivos, como nós. O melhor que podemos desejar é a capacidade de administrarmos essas forças e as utilizarmos, aí sim, positivamente.

Resiliência e positividade são quase duas palavras gêmeas dentro de uma cultura emocional. Ambas tratam genuinamente da capacidade de levarmos os choques e  conseguir decidir o que fazermos com eles. Sentir os golpes desses choques é humano. Sacudirmos a poeira e vencermos o desafio do choque também.



Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli     




quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Seja um hacker

O que eu mais poderia desejar ao leitor desse texto é que ele desenvolvesse as atitudes de um hacker

Antes de mais nada, é preciso diferenciar um hacker de um cracker. Ambos são termos originários dos sistemas de informática, mas é o cracker aquele invade sistemas de forma ilícita, buscando lucrar ao máximo com o prejuízo alheio. Já o hacker é aquele que invade sistemas com o intuito de apontar falhas nesse sistema, de modo a expor onde a segurança ou acessibilidade daquele software deve ser melhorado exatamente para evitar erros ou a ação de crackers. Tanto isso é verdade que instituições ao redor do mundo têm promovido concursos com altas premiações para hackers que forem capazes de invadir seus sistemas e apontar falhas, abrindo a possibilidade de aperfeiçoamento do todo.

Só aquele que reconhece suas deficiências pode melhorar. Uma incompetência consciente pode tornar-se uma competência. Uma incompetência inconsciente será sempre ela mesma.

Querendo ou não, nós mesmos somos sistemas. Nosso todo é um sistema. Fazem parte desse sistema nosso corpo físico, nossos esquemas cognitivos, nossas emoções, comportamentos e atitudes. Esse nosso "eu sistema" interage o tempo todo com outros sistemas, como outras pessoas, trabalho, família e instituições. Nessas interações, nosso sistema vai utilizando seus próprios recursos para montar um verdadeiro banco de dados que determinará a sua "programação". A questão é: esse banco de dados de nosso software está nos levando para onde?

A tendência desse sistema é a acomodação. É viver o dia-a-dia com base no banco de dados pré-existente. A divergência é que essa acomodação ao longo do tempo pode deixar de ser "cômoda", e acabe mais nos distanciando dos nossos objetivos do que, de fato, nos aproximando deles.

Chega o momento de ser um hacker. De si mesmo.

Ter curiosidade para observar, experimentar e executar novas pequenas ações que podemos ter todos os dias com o intuito de encontrar novas possibilidades. Dessas ações, armazenar os novos aprendizados, lapidando os esquemas mentais de modo que se tornem mais potencializadores do que limitantes em nossas vidas. Testar um "padrão novo" com o cuidado de não "bugar" o sistema, de maneira firme e inteligente, para observar e colher resultados. 

"Hackeie" seus processos como você já os conhece. O que pode aperfeiçoar a experiência de seu próprio sistema? Quais são outros modos de execução de tarefas?  Hackeie relacionamentos, desenvolvendo mecanismos de aproximação e de distanciamento de acordo com a compatibilidade de seus sistemas, mantendo-se sempre aberto para aprender com todos. Hackeie sua comunicação, tornando sua escuta  mais empática e sua fala mais assertiva. Hackeie suas emoções, não fingindo que elas não existem, mas ressignificando aquelas que te paralisam. 

Ainda assim, nossos sistemas existem e co-existem no arcabouço da natureza probabilística da vida. O fluxo de acontecimentos, tal qual o alinhamento de diversos comandos de programação, muitas vezes invisíveis, desencadeia ocorrências independentes de nossas vontades. Não temos controle direto sobre acidentes, sobre nossos batimentos cardíacos, sobre nossa idade, sobre se vai ou não chover amanhã. O que podemos mesmo hackear é aquilo que está sobre o nosso controle: qual a melhor forma de agir, uma vez que o acidente já aconteceu, como tornar meus batimentos cardíacos mais saudáveis, como viver com a maior plenitude possível a minha idade e praticar uma fé emocionada que o tempo será aquele que eu espero amanhã. 

Descubra as falhas e inseguranças de seu sistema, e trabalhe nelas como um hacker. Não será nenhuma instituição ao redor do mundo que o premiará. Será o seu próprio sistema aperfeiçoado que fará isso.

Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli