“Viu?” “Eu disse!” “Eu sabia!”
Entre os diversos fenômenos que ocorrem a partir de nossa
interpretação da realidade, destaco nesse texto as chamadas “profecias
autorrealizáveis”, termo cunhado pelo sociologista norte-americano Robert King
Merton, há quase um século. O termo é instigante por si só, e podemos
estar sofrendo suas consequências em nossas vidas nesse exato momento.
Consequências, essas, vindas de ações praticadas por nós mesmos.
Antes de mais nada, convém lembrar que aquilo que chamamos
de “realidade” nada mais é do que apenas a nossa interpretação do que
vivenciamos a partir de nossos sentidos. Essa vivência é filtrada por nossos
esquemas cognitivos ou crenças, as quais nos devolvem um breve relatório
daquilo que estamos vivendo. Assim, nossa interpretação mais ou menos
distorcida da realidade nunca poderá ser 100% objetiva, uma vez que,
invariavelmente, passará por filtros que podem nem ser conscientes. E, de
acordo com a teoria das profecias autorrealizáveis, são exatamente as
interpretações de uma situação que desencadeiam ações, as quais, na sequência,
geram consequências.
Experiências dessas práticas no campo educacional são
bastante conhecidas. Professores que trabalharam com novas turmas as quais foram orientados
que eram formadas por alunos brilhantes alcançaram médias de notas bastante
superiores a turmas as quais os professores foram informados serem de alunos
medianos. Na realidade, os alunos das duas turmas tinham capacidades e background similares. A leitura da situação alicerçada em
uma crença (consciente ou não) determina condições para que atitudes que se
encaixem naquele contexto sejam tomadas, de modo que a internalização de
rótulos negativos ou positivos seja, desde o início, um guia para o destino de
nossas viagens pela vida.
Da mesma forma que nossas crenças embasam nossas atitudes,
nossas expectativas mudam nossos comportamentos. Por exemplo, quando tenho a
expectativa de que vou trabalhar com alguém “antipático”, meu comportamento
pode tender a ser defensivo e
superficial. Assim, a outra pessoa faz a sua própria leitura de que somos nós
os antipáticos da história, girando o círculo vicioso que leva as nossas
profecias a se tornarem realidade.
Quando tenho para mim, e principalmente quando assumi
publicamente, que não sou bom suficiente para determinado emprego, condição
financeira, relacionamento, o que seja, a tendência mais forte é que meus
comportamentos e atitudes, por mais incrível que isso possa parecer, corroborem para exatamente em não conseguir
alcançar as coisas que dizemos desejar. Não procuro olhar com mais cuidado para minha
carreira, ignoro minha relação de prioridades financeiras, não me permito
oportunidades, e acabo agindo exatamente da forma como não gostaria, desde que
esteja adequado àquilo que acredito.
As profecias autorrealizáveis, assim, se realizam não
necessariamente baseadas em atração ou pensamento positivo ou negativo. Muito
antes, elas se realizam porque, infelizmente, fazemos de tudo para que elas
aconteçam.
No que é chegada a hora de mudar o “eu sabia” para “eu vou
fazer diferente”?
Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli