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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Profecias autorrealizáveis


“Viu?” “Eu disse!” “Eu sabia!”
Entre os diversos fenômenos que ocorrem a partir de nossa interpretação da realidade, destaco nesse texto as chamadas “profecias autorrealizáveis”, termo cunhado pelo sociologista norte-americano Robert King Merton, há quase um século. O termo é instigante por si só, e podemos estar sofrendo suas consequências em nossas vidas nesse exato momento. Consequências, essas, vindas de ações praticadas por nós mesmos.
Antes de mais nada, convém lembrar que aquilo que chamamos de “realidade” nada mais é do que apenas a nossa interpretação do que vivenciamos a partir de nossos sentidos. Essa vivência é filtrada por nossos esquemas cognitivos ou crenças, as quais nos devolvem um breve relatório daquilo que estamos vivendo. Assim, nossa interpretação mais ou menos distorcida da realidade nunca poderá ser 100% objetiva, uma vez que, invariavelmente, passará por filtros que podem nem ser conscientes. E, de acordo com a teoria das profecias autorrealizáveis, são exatamente as interpretações de uma situação que desencadeiam ações, as quais, na sequência, geram consequências.
Experiências dessas práticas no campo educacional são bastante conhecidas. Professores que trabalharam  com novas turmas as quais foram orientados que eram formadas por alunos brilhantes alcançaram médias de notas bastante superiores a turmas as quais os professores foram informados serem de alunos medianos. Na realidade, os alunos das duas turmas tinham capacidades e background  similares. A leitura da situação alicerçada em uma crença (consciente ou não) determina condições para que atitudes que se encaixem naquele contexto sejam tomadas, de modo que a internalização de rótulos negativos ou positivos seja, desde o início, um guia para o destino de nossas viagens pela vida.
Da mesma forma que nossas crenças embasam nossas atitudes, nossas expectativas mudam nossos comportamentos. Por exemplo, quando tenho a expectativa de que vou trabalhar com alguém “antipático”, meu comportamento pode  tender a ser defensivo e superficial. Assim, a outra pessoa faz a sua própria leitura de que somos nós os antipáticos da história, girando o círculo vicioso que leva as nossas profecias a se tornarem realidade.
Quando tenho para mim, e principalmente quando assumi publicamente, que não sou bom suficiente para determinado emprego, condição financeira, relacionamento, o que seja, a tendência mais forte é que meus comportamentos e atitudes, por mais incrível que isso possa parecer,  corroborem para exatamente em não conseguir alcançar as coisas que dizemos desejar. Não  procuro olhar com mais cuidado para minha carreira, ignoro minha relação de prioridades financeiras, não me permito oportunidades, e acabo agindo exatamente da forma como não gostaria, desde que esteja adequado àquilo que acredito.
As profecias autorrealizáveis, assim, se realizam não necessariamente baseadas em atração ou pensamento positivo ou negativo. Muito antes, elas se realizam porque, infelizmente, fazemos de tudo para que elas aconteçam.
No que é chegada a hora de mudar o “eu sabia” para “eu vou fazer diferente”?

Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli


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