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quinta-feira, 6 de maio de 2021

Fé e obras

 


“Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente.... Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obras é morta”. Os versículos 24 e 26 do segundo capítulo da carta bíblica de Tiago, no contexto de sua época, alertavam seus destinatários para a atenção a ser dada não apenas à passividade das crenças em si, mas principalmente pela ação e seus resultados práticos, preferencialmente quando impulsionados pelo pensamento na energia positiva mais próximo possível da espiritualidade. A fé.

Certamente, diferentes doutrinas religiosas discutem a salvação pela fé ou pelas obras, ou ambas, em diferentes graus. Contudo, há de se separar o que toca religião e espiritualidade. Religião é forma, espiritualidade é conteúdo. Apesar de muito se discutir o quanto que cada um desses conceitos está inserido no outro, do quanto certos dogmas atualmente são mais convenções sociais do que religiosas, ou o quanto de conexão com o divino nos é inata, os seres humanos já vêm prestando atenção a aspectos subjetivos da existência há milhares de anos, aspectos esses que embasam não apenas o que está além de nossa visão física, mas também geram ilhas de retidão e incêndios de motivação, dependendo do caso. Para a conexão com essa sutil energia, precisamos encontrar e praticar alguns momentos de recolhimento interior durante nossos dias para que essa subjetividade possa ser melhor sentida e aproveitada.

As atividades mundanas em que cada um de nós atua podem se tornar tão pesadas a ponto de nos submergirem em águas que nos afastam das sutilizas da fé, esperança e pensamento positivo. Vivemos a crueza dos resultados autômatos, das constantes preocupações e na ansiedade de como encararemos o próximo momento, com muita ação externa e pouca vivência interna. "Obras sem fé são mortas", com o perdão da recombinação de termos do consagrado versículo bíblico.

Tão desequilibrada pode ser essa abordagem quanto o outro extremo, quando se podem negligenciar os aspectos do dia a dia em nome apenas da fé. O espírito que Tiago compara, em sua carta, é o elemento que dá vida ao corpo, de modo que ambos precisam um do outro para que haja vida e, consequentemente, para que haja obras. Essa questão está muito além do pensamento mágico que as coisas simplesmente darão certo e muito mais próxima do mistério das infinitas possibilidades que cada um de nós convive diariamente, de seu próprio modo. Talvez nunca cheguemos a saber se minha fé seria capaz de, sozinha, curar-me de todos os meus males, ao mesmo tempo que, por mais remédios que eu pudesse tomar para curar alguma doença, a única forma de eu conseguir superá-la é com meu corpo reagindo bem a esses remédios. E como sei que não é minha esperança na cura o elemento primordial para que minhas células recepcionem bem os princípios ativos daqueles medicamentos?

São centenas de estudos neurocientíficos que ligam a fé à produção de diversos neurotransmissores causadores de bem-estar, entre os mais conhecidos, a dopamina e serotonina. Esses neurotransmissores, capazes de nos causar um estado de maior relaxamento, organização mental e atuar na potencialização do sistema imunológico, tiram a mente consciente do foco estressante e limitador da cognição de se aferrar a determinado assunto, fazendo com que passemos diversos períodos da vida como que vestindo “viseiras de cavalo”, alheios aos benefícios que a subjetividade da vida poderia nos proporcionar. Placebo ou não, os efeitos da fé sobre o bem-estar e saúde já contam com estudos de diversas universidades pelo mundo, incluindo Harvard, com resultados favoráveis ao quanto a predisposição à esperança pode colaborar nas mais variadas situações.

Assim, embora o pessimismo seja uma estratégia psicológica que nos prepara com antecedência aos piores cenários, o nível de envenenamento físico e espiritual dessa estratégia é tal que, sua aplicação indiscriminada pode vir a ter resultados ainda piores do que aquilo que está nos tirando o sono, e que nem sabemos se se concretizará. Assim, também como uma estratégia e, porque não, um estilo de vida, é melhor ter fé do que não ter. Ao mesmo tempo, é melhor que essa fé seja força motriz de ação positiva, permanecendo viva não apenas em uma esperança longínqua e difusa, mas principalmente na possibilidade de ação que essa mesma esperança possa estar nos proporcionando e, quem sabe, até mesmo exigindo de nós.

Quando eu tranco a porta de minha casa, à noite, minha fé me acalenta e me estimula a pedir proteção a Deus. E sei que, naquele momento, Ele pode estar precisando da minha mão para girar a chave.


Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli




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