Certamente, diferentes doutrinas religiosas discutem a
salvação pela fé ou pelas obras, ou ambas, em diferentes graus. Contudo, há de se
separar o que toca religião e espiritualidade. Religião é forma,
espiritualidade é conteúdo. Apesar de muito se discutir o quanto que cada um
desses conceitos está inserido no outro, do quanto certos dogmas atualmente são
mais convenções sociais do que religiosas, ou o quanto de conexão com o divino
nos é inata, os seres humanos já vêm prestando atenção a aspectos subjetivos da
existência há milhares de anos, aspectos esses que embasam não apenas o que
está além de nossa visão física, mas também geram ilhas de retidão e incêndios
de motivação, dependendo do caso. Para a conexão com essa sutil energia,
precisamos encontrar e praticar alguns momentos de recolhimento interior
durante nossos dias para que essa subjetividade possa ser melhor sentida e
aproveitada.
As atividades mundanas em que cada um de nós atua podem
se tornar tão pesadas a ponto de nos submergirem em águas que nos afastam das
sutilizas da fé, esperança e pensamento positivo. Vivemos a crueza dos
resultados autômatos, das constantes preocupações e na ansiedade de como encararemos
o próximo momento, com muita ação externa e pouca vivência interna. "Obras sem fé são mortas", com o perdão da recombinação de termos do consagrado versículo bíblico.
Tão desequilibrada pode ser essa abordagem quanto o outro extremo, quando se podem negligenciar os aspectos do dia a dia em nome apenas da fé. O espírito que Tiago compara, em sua carta, é o elemento que dá vida ao corpo, de modo que ambos precisam um do outro para que haja vida e, consequentemente, para que haja obras. Essa questão está muito além do pensamento mágico que as coisas simplesmente darão certo e muito mais próxima do mistério das infinitas possibilidades que cada um de nós convive diariamente, de seu próprio modo. Talvez nunca cheguemos a saber se minha fé seria capaz de, sozinha, curar-me de todos os meus males, ao mesmo tempo que, por mais remédios que eu pudesse tomar para curar alguma doença, a única forma de eu conseguir superá-la é com meu corpo reagindo bem a esses remédios. E como sei que não é minha esperança na cura o elemento primordial para que minhas células recepcionem bem os princípios ativos daqueles medicamentos?
Assim, embora o pessimismo seja uma estratégia
psicológica que nos prepara com antecedência aos piores cenários, o nível de envenenamento
físico e espiritual dessa estratégia é tal que, sua aplicação indiscriminada pode
vir a ter resultados ainda piores do que aquilo que está nos tirando o sono, e
que nem sabemos se se concretizará. Assim, também como uma estratégia e, porque não, um
estilo de vida, é melhor ter fé do que não ter. Ao mesmo tempo, é melhor que
essa fé seja força motriz de ação positiva, permanecendo viva não apenas em uma
esperança longínqua e difusa, mas principalmente na possibilidade de ação que
essa mesma esperança possa estar nos proporcionando e, quem sabe, até mesmo
exigindo de nós.
Quando eu tranco a porta de minha casa, à noite, minha fé
me acalenta e me estimula a pedir proteção a Deus. E sei que, naquele momento, Ele
pode estar precisando da minha mão para girar a chave.
Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli
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