Acredito que não. Ainda assim, palavras e atitudes grosseiras acontecem. E, por vezes, envolvendo pessoas que amamos.
Muito se fala em autoconhecimento. Muitos o procuram, cada vez mais. Eu mesmo sou mais uma dessas pessoas, sem dúvida. A cada dia, novos
processos, novas aprendizagens, novas percepções, novas sinapses neuronais e,
com isso, a sensação de estarmos em um caminho de contínuo aperfeiçoamento mental e espiritual.
Tornamo-nos mais elevados, mais educados, mais sensíveis, mais iluminados. Nos limites de nossa razão, acreditamos transmitir serenidade, confiança e paz de espírito aos demais ao
redor. Temos a impressão de espalharmos amor.
Isso na "rua." Até aí, tudo bem.
E por que esse padrão de comportamento gentil parece não ser necessário nas relações com pessoas íntimas? "Em casa?"
"Porque, "com os "de casa", tenho liberdade de estar de mau humor. Tenho liberdade de dizer o que eu quiser. De ser irônico. De ser ácido. Tenho liberdade de "ser sincero". Afinal, são pessoas com quem não há nenhuma necessidade de formalidade. Se fui grosseiro hoje, amanhã já estará tudo bem."
Será que estará "tudo bem", mesmo?
Será que estará "tudo bem", mesmo?
Em nome de uma dita "sinceridade" a que a intimidade convida, tendemos a falar o que vier à cabeça, sem considerar muito bem os danos emocionais que podemos causar com nossa pretensa sinceridade. Não seria melhor nos orgulharmos de sermos mais assertivos do que sinceros? "O que de ganho a outra pessoa terá ao ouvir o que tenho a dizer?" "Não vou apenas magoar ou menosprezar essa pessoa com minha fala"? "Qual a forma mais elegante, e ainda assim mais direta de se dizer determinada coisa?"
Parece-me paradoxa a prática de guardar o melhor de nós para todos os demais, e deixar nossa versão mais obscura para "os de casa", para as pessoas que realmente se importam conosco nos detalhes mais decisivos e também nos mais triviais.
Que nossas "casas" sejam, de fato, nosso ponto de equilíbrio. Nosso paraíso emocional, de liberdade para sermos de fato quem somos, com uma convivência harmônica com todas as demais criaturas com quem estamos compartilhando esse momento da existência. Onde possamos estar inteiros, dividindo o néctar de nosso amor, sendo empáticos com a forma de que nossos gestos, posturas e palavras chegam no outro, e não espedaçados como o bagaço de uma fruta já exaurida do que tinha de melhor.
Marcelo Pelissioli