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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O bagaço de nosso amor

Por acaso, teríamos nós dois tipos de pessoas em nossas vidas, aquelas a quem sentimos obrigação de sermos polidos, e aquelas que temos o direito de sermos grosseiros?

Acredito que não. Ainda assim, palavras e atitudes grosseiras acontecem. E, por vezes, envolvendo pessoas que amamos.

Muito se fala em autoconhecimento. Muitos o procuram, cada vez mais. Eu mesmo sou mais uma dessas pessoas, sem dúvida. A cada dia, novos processos, novas aprendizagens, novas percepções, novas sinapses neuronais e, com isso, a sensação de estarmos em um caminho de contínuo aperfeiçoamento mental e espiritual. Tornamo-nos mais elevados, mais educados, mais sensíveis, mais iluminados. Nos limites de nossa razão, acreditamos transmitir serenidade, confiança e paz de espírito aos demais ao redor. Temos a impressão de espalharmos amor. 

Em situações em que as convenções sociais sejam mais protocolares do que espontâneas, até segunda ordem, somos propensos a exercer nosso cultivo intelectual e nossa presteza com paciência e respeito, colocando em prática muito do que conhecemos sobre autocontrole e inteligência. emocional. Com empatia e candura, conseguimos ser fonte  de sensibilidade às pessoas com quem nos relacionamos, mas que não temos necessariamente intimidade. 


Isso na "rua." Até aí, tudo bem.


E por que esse padrão de comportamento gentil parece não ser necessário nas relações com pessoas íntimas? "Em casa?"

"Porque, "com os "de casa", tenho liberdade de estar de mau humor. Tenho liberdade de dizer o que eu quiser. De ser irônico. De ser ácido.  Tenho liberdade de "ser sincero". Afinal, são pessoas com quem não há nenhuma necessidade de formalidade. Se fui grosseiro hoje, amanhã já estará tudo bem."

Será que estará "tudo bem", mesmo?

Em nome de uma dita "sinceridade" a que a intimidade convida, tendemos a falar o que vier à cabeça, sem considerar muito bem os danos emocionais que podemos causar com nossa pretensa sinceridade. Não seria melhor nos orgulharmos de sermos mais assertivos do que sinceros? "O que de ganho a outra pessoa terá ao ouvir o que tenho a dizer?" "Não vou apenas magoar ou menosprezar essa pessoa com minha fala"? "Qual a forma mais elegante, e ainda assim mais direta de se dizer determinada coisa?"

Parece-me paradoxa a prática de guardar o melhor de nós para todos os demais, e deixar  nossa versão mais obscura para "os de casa", para as pessoas que realmente se importam conosco nos detalhes mais decisivos e também nos mais triviais.

Que nossas "casas" sejam, de fato, nosso ponto de equilíbrio. Nosso paraíso emocional, de liberdade para sermos de fato quem somos, com uma convivência harmônica com todas as demais criaturas com quem estamos compartilhando esse momento da existência. Onde possamos estar inteiros, dividindo o néctar de nosso amor, sendo empáticos com a forma de que nossos gestos, posturas e palavras chegam no outro, e não espedaçados como o bagaço de uma fruta já exaurida do que tinha de melhor.

Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli

Um comentário:

  1. Texto relevante! Importante podermos ser nós mesmos e deixarmos os demais serem também em todos os tipos de convivência... quando dividimos a mesma casa, o mesmo ambiente de trabalho, o mesmo planeta e, afinal, o mesmo espaço. Se autoconhecer é, da mesma forma, reconhecer o outro. Gratidão.

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