Um dia antes de escrever esse texto, presenciei a cena que vou contar.
Estava eu na fila do pão, em um supermercado, pensando em pegar os pães e já partir para o próximo item da lista de compras, até que me chama a atenção uma jovem família vindo em minha direção. Acredito que fosse um pai, uma mãe e uma criança, um menino de uns 4 ou 5 anos, sentado na cadeirinha do carrinho. Fiquei olhando para eles, sem razão aparente.
O pai puxa de dentro do carrinho deles um conjunto de iogurtes que vêm em garrafinhas, e oferece ao menino. "Quer um? O pai abre para ti!" Obviamente, a criança, que estava tranquila no carrinho leva as duas mãozinhas em direção ao pai, que lhe dá o iogurte. Mas o trabalho do pai ainda não tinha terminado. "Abre um para mim, também?" Pede a mãe.
E a vida seguiu normal. A minha, daquele pai e daquela mãe. Mas daquela criança não. Ela seguiu por outro caminho, imprevisível.
Não tenho nenhuma dúvida da boa e amorosa intenção do pai em sua atitude. Dar aos filhos tudo aquilo que podemos talvez seja a plenitude parental, e ele está procurando ser o melhor pai dentro de suas possibilidades. Só que de boas intenções, as crenças limitantes estão cheias.
Muito antes de me meter na vida dos outros, de julgar o que é certo ou errado, muito antes de entrar no mérito que o iogurte seria pago de qualquer forma, muito antes de lançar mão de leis do consumidor, regras de estabelecimentos comerciais, sem nem ao menos apelar para o bom senso que difere um supermercado de uma lancheria, meu foco é aquele menino. O que esta corriqueira experiência pode lhe trazer de consequências no futuro?
Uma criança passa praticamente seus sete primeiros anos de vida dando significado a tudo que a rodeia. Em grande parte, esses significados se cristalizam para que a sequência da vida seja possível, quando a socialização com outras crianças, professores e familiares se avolumar e ser fator decisivo nas próximas fases de desenvolvimento daquele serzinho em formação. Reflita sobre esse enorme desafio que uma criança tem pela frente. Nós, como adultos, já passamos por esse desafio, e até hoje nosso software mental roda esquemas que vêm lá de nossa primeira infância.
Agora, o computadorzinho daquele menino recebeu novos significados. Algo talvez como "posso comer iogurte quando eu quiser, onde eu quiser. Não preciso esperar. E nem minha mãe!"
Nos compêndios de comportamento humano, é bastante conhecida a experiência chamada "Experimento do Marshmallow", do final dos anos 60 e liderada pelo professor Walter Mischel na Universidade de Standford, nos Estados Unidos. A experiência consistia em colocar uma criança em uma sala, sentada à frente de um bolinho ou marshmallow. O cientista dizia à criança que ela podia comer a guloseima se quisesse. Porém, ele iria sair da sala, e se quando voltasse uns 15 minutos depois, a criança tivessse conseguido resistir em comer o doce, ganharia outro como recompensa. Das 600 crianças testadas, um terço delas conseguiu a recompensa. Essas crianças seguiram tendo suas vidas monitoradas, com resultados surpreendentes. Esse um terço que resistiu ao impulso de comer o doce apresentou médias muito superiores em relação aos outros dois terços em testes de competências e comportamentos na adolescência, além de maiores níveis salariais quando chegaram na vida adulta. Posteriormente, em 2012, novas experiências do gênero levantaram dados ainda mais relevantes, como o desenvolvimento de geração de senso estratégico de autocontrole perante determinadas situações futuras ligadas à confiança.
Será que o estímulo ao autocontrole na infância em não consumir algo que ainda não é seu poderia evitar um adulto com problemas em seu cartão de crédito? Será que uma criança que em seu próprio tempo vai manejando suas pequenas frustrações poderá ser um adulto mais preparado para possíveis grandes frustrações? Será que uma criança que recebe ajuda para conhecer limites comportamentais terá mais consciência de suas capacidades no futuro?
Será que é através dos limites que temos a chance de sermos ilimitados?
Os bebês precisam ser amamentados em qualquer lugar por essa ser uma necessidade física e mental dessa fase, para o seu bem futuro. Da mesma forma, podemos nos perguntar a cada atitude com as crianças: "qual é a sua necessidade física e mental dessa fase, para seu bem futuro?"
Dez minutos depois, eu estava no caixa. E a família com o menino coincidentemente vem logo atrás de mim. Apenas 10 minutos.
Que os pequenos tenham chances de desenvolver seu senso de resiliência com pequenos "nãos" sempre que necessário. Não para torná-los amedrontados e rebeldes, muito pelo contrário, para construírem aos poucos seu coeficiente de inteligência emocional de forma saudável e carinhosa sob o manto protetor dos adultos.
Porque amar é educar. Em todos os momentos. Em todos os lugares. Até mesmo no supermercado.
Porque amar é educar. Em todos os momentos. Em todos os lugares. Até mesmo no supermercado.
Marcelo Pelissioli
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