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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Debaixo do seu nariz

Temos pontos cegos em nosso corpo. Um deles é exatamente a dificuldade de enxergar o que está debaixo do nosso nariz.  

Só há duas formas de sabermos o que está debaixo do nosso nariz: ou nos olhamos no espelho, ou perguntamos a alguém de confiança. Em ambos os casos, precisaremos do outro, seja ele outra pessoa, seja nosso "outro" refletido no espelho.

Encarar a própria imagem no espelho é uma tarefa desafiadora. Essa imagem pode revelar detalhes de nossa feição que preferiríamos evitar. Olheiras de preocupações. Linhas de expressão que o tempo vai inexoravelmente talhando. Cicatrizes contadoras de histórias. Traços considerados por nós como imperfeitos. Tudo isso é percebido, dimensionado e convertido em informação, mesmo quando só o que estávamos procurando era o que estava debaixo de nosso nariz.

Jean-Paul Satre, um dos filósofos ícones do existencialismo, cunhou a frase "o inferno são os outros". Sim, pois uma das interpretações dessa frase é fazer com que justamente nosso olhar para o espelho, antes que busquemos o que está debaixo do nosso nariz, passe por uma comparação com os outros. Vêm à consciência nossas fraquezas e forças. Erros e acertos. Possibilidades e necessidades. Vêm à luz o que sentimos como ameaça e o que nos potencializa. No fim das contas, é na existência do outro que acabo tendo consciência do meu eu. 

E eu só queria saber o que está debaixo do meu nariz.

Assim, o caminho mais rápido é pedir ajuda para o outro, pois é no outro que existe a possibilidade de uma consciência auxiliar àquilo que não estou conseguindo perceber. Pelo seu lugar no mundo, o olhar do outro é mais abrangente, podendo mirar apenas no essencial ponto cego debaixo do nosso nariz antes de nos encararmos no espelho para finalmente enxergar o que está lá há muito tempo e não nos dávamos conta. 

Isso porque também temos pontos cegos em nossa alma.

É desnecessário citar o número de fatos calamitosos que poderiam ter sido evitados se as pessoas tivessem pedido ajuda. Ficamos tanto tempo no espelho olhando para nosso rosto com o olhar absorto em detalhes irrelevantes de autocomiseração ou autoafirmação que as respostas necessárias acabam ficando submersas, em segundo plano. É no outro que está a possibilidade dessas respostas virem à tona, não porque o outro tenha essas respostas, mas sim, por ter outras perguntas as quais ainda não nos fizemos. 

O equilíbrio emocional necessário para seguirmos pelos nossos dias, quando perdido, só será percebido quando possivelmente já estivermos bem distanciados de nossa rota desejada. Nesses momentos, uma mão de amparo pode te reequilibrar sem que isso vire mais uma cicatriz em nossa face, pois atuaremos antes que essa cicatriz seja causada ou tome proporções maiores ou até incuráveis.

De uma forma ou de outra, todos nós precisamos do outro. Não para nos compararmos, mas para efetivamente temos claro o que está debaixo do nosso nariz. Pode haver momentos em que será necessária a luz do outro para iluminar nossas sombras. Pode haver momentos que a vida vai nos desafiar a procurar ajuda, não para provar que somos incapazes, mas para nos mostrar que, uma vez capazes de encararmos o espelho com profundidade, possamos enxergar um ser humano vencedor de seu próprio orgulho e de seu próprio ego e que, por isso, tornou-se melhor. Se for assim mesmo, então eu diria que, no fundo, "o céu são os outros".

O que pode estar em algum ponto cego do seu ser arruinando a vida mais plena e desejada por ti?

Consegue me dizer o que é isso que está debaixo do seu nariz?


Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli



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