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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O bode em casa

 

“Reza a lenda que, certa vez, em busca de ajuda para conseguir alcançar objetivos na vida, o sujeito procurou um estudioso que tinha a fama de ajudar as pessoas a alcançar suas metas. Após muita relutância, o sujeito combinou um encontro com o estudioso, e a conversa começou assim:

- Minha vida tem sido uma bagunça, não consigo ter tempo de me dedicar aos meus objetivos. Quando tenho, preciso dar conta de resolver problemas da casa, consertar coisas quebradas e fazer compras. Minha situação financeira, há muito tempo, é um looping sem fim: assim como entra dinheiro, sai dinheiro, e não sobra nada. Além disso, meus filhos consomem muito do meu tempo, e a relação com minha mulher está evoluindo das constantes brigas para uma indiferença terrível entre nós, sem contar que, por questões de saúde, minha sogra virá morar conosco na próxima semana.

O estudioso, após ouvir o sujeito e manter seu olhar sobre ele como um todo, respondeu o seguinte:

- Arrume um bode emprestado, e o deixe em sua garagem por uma semana. Volte aqui para falar comigo depois desse tempo.

O sujeito, confuso, sem muita esperança e ainda mais desnorteado do que chegara, resolve procurar o conhecido de um conhecido que tinha um bode. Assim que conseguiu convencer o dono do bode do empréstimo, levou o bicho para casa deixando-o em sua garagem, conforme o estudioso sugerira. A condição do empréstimo era que o animal fosse bem alimentado e bem tratado.

Uma semana depois, sujeito e estudioso estão novamente frente a frente:

- “Então”, pergunta o estudioso, “como foi a semana com o bode”?

Responde o sujeito, entre irritado e desanimado: - Foi terrível. Com todo o respeito, não vejo como o fato de levar um animal daqueles para minha garagem poderia resolver alguma coisa em minha vida. Tive que arrumar tempo de alimentar o bode todos os dias, sem contar ter que limpar toda a sujeira que esse bicho faz. Claro, as crianças adoraram, pediam para tirar fotos e até deram um nome para ele: Severo, pois achavam que o bode tinha os trejeitos de um dos professores dos filmes do Harry Potter. Para piorar, minha sogra veio morar conosco e, embora não tenha nada contra ela, é mais uma preocupação para mim no meio dessa confusão toda. Espero hoje já devolver essa criatura fedorenta ao seu dono e acabar com esse pandemônio.

O estudioso, com o mesmo olhar que parecia enxergar o sujeito além da materialidade e nitidamente praticando uma escuta mais profunda que a superficial do dia a dia, responde:

- Bem, o bode agora passará a viver não mais dentro da garagem. Passe a deixá-lo dentro de casa. Faça isso essa semana, e volte aqui na semana que vem.

O sujeito riu com escárnio de sua própria desgraça. Como faria com que um bode pudesse viver dentro de casa? Já imaginou que esse poderia significar um ponto final no casamento.

Chegando em casa, explicou à mulher, através das fragmentadas linhas de comunicação que ainda debilmente se mantinham entre eles, que colocaria o bode dentro de casa. E, apesar dos protestos inflamados da esposa, assim o fez. Desde então, passou-se uma semana.

Voltando ao encontro com o estudioso, o sujeito nem espera por nenhuma pergunta. Já inicia sua fala, em tom prostrado, sem expressão alguma de capacidade de indignação:

- Como eu imaginava, minha mulher enlouqueceu com o bode dentro de casa. Acusou-me de tudo que possas imaginar. Tivemos que passar a semana consertando tudo o que o bicho destruiu, e montamos um plano para que ela faça a limpeza enquanto eu realizo os consertos. Ele pula sobre os móveis, quebra a decoração, mastiga cortinas, é uma verdadeira anarquia. O cheiro dele é terrível, a sujeira é tanta que não sei de onde estamos arrumando tempo para limpar tudo e manter a casa com alguma dignidade. Precisei comprar ração para bode, e esse gasto inesperado está pesando mais ainda no meu orçamento. Sinceramente, não sei qual é o objetivo disso tudo, mas já chega, não?

- “Não”, reponde o estudioso. “Agora leve o bode para viver no seu quarto.”

O sujeito sai sem nem mesmo se despedir ou agradecer. Sabia apenas que precisaria voltar na semana seguinte para falar com estudioso, por uma questão de honra, para mostrar a ele o quanto aquele bode tinha sido o tiro de misericórdia em tudo que tinha como objetivos de vida, e o quanto o estudioso seria responsável pelo seu fracasso. Mesmo assim, por alguma razão, levou o famigerado bicho para o próprio quarto.

Como o sujeito já imaginava, o casamento ficou por um tênue fio. Se não fosse pela presença da sogra, acredita, sua mulher pegaria suas amadas crianças e sairia de casa, talvez para sempre. A rotina de arrumar tempo para consertos e limpeza seguiu, bem como a manutenção do regime de exceção combinado com a esposa para suportarem a manutenção da decência das condições de convívio da casa com o bode arruinando e emporcalhando tudo. Seguiu também a afeição das crianças pelo bicho, que rendeu, por incrível que pareça, alguns momentos de proximidade entre pais e filhos na relação com o bode, pois as crianças gostavam de dar-lhe a cara ração própria para a espécie, além de brincarem e pedirem informações não apenas sobre bodes, mas sobre outros animais também. Até mesmo a sogra passou a ajudar nas novas lides da casa, dentro de suas limitações de saúde. Toda ajuda era bem-vinda naquele cenário caótico.

Passados novos 7 dias, o sujeito vai encontrar o estudioso, decidido que será pela última vez. Chega daquela palhaçada.

- “Devolva o bode, e volte aqui semana que vem.” Disse o estudioso.

- O sujeito agradece aos céus pela ordem e, de pronto, esquece a convicção de não mais encontrar o estudioso. No mesmo dia, devolve o bode ao conhecido de seu conhecido, que se surpreende com o brilho do pelo e o excelente aspecto do animal, que fora, obviamente, muito bem tratado.

Passada mais uma semana. Assim foi o derradeiro encontro entre o sujeito e o estudioso:

- Querido amigo, chegastes aqui para falar comigo há um mês, sem tempo para se dedicar aos teus objetivos, sem conseguir cuidar bem da tua casa, com uma situação financeira bastante instável e com uma família que carregavas como um fardo. Como está hoje?

Responde o sujeito:

-Depois que devolvi o bode, tudo mudou! E para muito melhor! Não sei como, mas percebi que priorizar certas coisas faz com que apareça mais tempo para as realizações que realmente importam, como que por encanto. Agora, sem ter que priorizar os cuidados com o bode, tenho muito mais tempo! Começou a sobrar dinheiro no final da semana, misteriosamente. Por coincidência, um valor bem próximo da cara comida de bode que eu comprava. Minha relação com as crianças melhorou muito, pois, não sei como, passaram a demonstrar muita curiosidade sobre animais, o que tem sido o tópico principal de nossas brincadeiras e conversas. Meu casamento mudou da água para o vinho, pois não precisamos mais investir todo nosso tempo e energia limpando e consertando coisas que o maldito bode destruía. Agora, sobra mais tempo para nós, e com mais qualidade, já que o bode não está ali para nos molestar. Até o fato de receber minha sogra em casa por alguns dias deixou de ser uma preocupação para se tornar um prazer, pois ela segue colaborando como pode com os afazeres da casa, sem contar que as crianças adoram a companhia da vovó. Toda essa mudança está me beneficiando para que eu consiga manter minha cabeça e minhas atitudes em meus objetivos, os quais já estão em planejamento, inclusive alguns já entraram em ação essa semana mesmo. Bode desgraçado, se não fosse ele, minha vida estaria muito melhor do que já está hoje!”

Cada um de nós precisa reconhecer seus bodes em suas vidas. Todavia, esse ano, tivemos todos um grande bode em comum. Quando devolvermos esse bode virulento, olhemos para nossas vidas, nossos objetivos, nossos padrões sabotadores que vão se repetindo e nossas relações com nosso meio e compreendamos o quanto temos de possibilidades de sermos mais e de sermos melhores desde já. Identificar e tratar desses bodes é o primeiro passo.

Esse bode não quer ensinar nada. Porém, paradoxalmente, cabe a nós aprendermos as suas lições.

Um novo ano de muita saúde, felicidade e prosperidade para você!


Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli


terça-feira, 24 de novembro de 2020

Aprendizagem e conexão

 

Ao que tudo indica, diversas habilidades que serão necessárias para vivermos ativamente o futuro próximo serão aplicadas em profissões que ainda nem sequer existem. A inteligência artificial e os avanços na tecnologia já estão realizando tarefas as quais estão demandando cada vez menos pessoas em suas execuções. Por outro lado, a maior expectativa de vida pelo mundo tem feito com que a permanência no mercado de trabalho precise perdurar por mais tempo.

Se o mundo se encaminha para uma realidade onde o diferencial competitivo vai extrapolar a intelectualidade, residindo exatamente naquilo que as máquinas ainda não conseguem emular de nós, humanos, como inteligência emocional, empatia e resiliência, emerge uma tendência a ser adotada desde já por todos que queiram ser parte atuante desse futuro que, na verdade, já começou: a adoção do lifelong learning, ou seja, aprendizado contínuo ao longo da vida.

Se voltássemos 100 anos no tempo, veríamos pessoas dando conselhos para crianças e jovens quanto a seus futuros profissionais que poderiam durar por décadas. Hoje, o quê podemos aconselhar a uma criança, se nem ao mesmo sabemos quais profissões sucumbirão com o tempo?

O melhor conselho e a melhor competência que podemos desenvolver é exatamente a habilidade de aprender. E não só aprender, mas também desaprender e reaprender. Para que isso ocorra, invariavelmente, é necessário um processo de conexão, de duas formas.

A primeira forma para desenvolvermos a habilidade de aprender é conectarmos os novos aprendizados com os aprendizados que já temos. Não há aprendizado de fato sem que esse seja inteligível. Assim, todo aprendizado se inicia mesmo antes de sua busca, com aquilo que já temos de bagagem, de modo que, a nós, cabe o exercício de fazer sentido.

A segunda forma é a conexão do que estamos aprendendo ou vivenciando com nossas próprias crenças, uma vez que a relação de ideias a priori e a posteriori sofistica a capacidade de percepção da realidade de cada um. Assim, muitos novos aprendizados só serão possíveis através do entendimento e do aprimoramento das formas que temos de ver o mundo.

Por tudo isso, conexão é a palavra, mantendo-nos presentes para o que está acontecendo de modo ativo. A aprendizagem de fato só ocorre quando extraímos sentido da informação e experiência, servindo-nos para gerar mudanças que nos tornarão mais instrumentalizados para viver o agora, mudanças essas que gerarão novos conhecimentos, habilidades, experiências e comportamentos.

Observar o mundo com a mente mais aberta, tornando-se uma pessoa “ensinável” aos olhos da vida, não fará de ninguém uma pessoa “fraca”. Ao contrário: procurar fazer hoje uma leitura de cenário melhor do que fizemos ontem é sinal de que, hoje, estamos mais inteligentes do que ontem. Como disse o escritor português Alexandre Herculano: “Eu não me envergonho de corrigir os meus erros e mudar de opinião porque não me envergonho de raciocinar e aprender”.

Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli



domingo, 25 de outubro de 2020

O mundo através do Coaching

Coaching é movimento. Seja lento, seja rápido, não importa, mas é movimento no tempo de cada um, em direção a uma vida mais significativa, com emoções melhor compreendidas e comportamentos alinhados aos objetivos. Movimento esse que tem como principal combustível o autoconhecimento das potencialidades, das limitações, das perdas e dos ganhos nas decisões tomadas, das crenças, dos esquemas e vieses cognitivos, das aspirações, dos valores, das inspirações e dos motivos pelos quais esse constante movimento vale a pena.
 

Querendo ou não, por mais que o desejo de estar com os próprios pés plantados no chão nos traga uma impressão de segurança, viajamos pelo universo a mais de 1600 km/h a bordo de nosso planeta. Por mais que pareça, nunca estamos parados. Por analogia, lembremos que, mesmo procurando acomodação e segurança em nossas vidas, absolutamente tudo está em movimento ao nosso redor e, como isso, em constante transformação. Para que cada um de nós consiga adaptar-se a tantas mudanças, é imprescindível que nos mantenhamos igualmente em movimento. Não aquele movimento tresloucado, impulsivo ou forçado, mas sim, o movimento que provém das refletidas decisões tomadas em nosso próprio silêncio, seja esse silêncio aquele que antecede a aurora da decisão, seja o silêncio da escuridão do desespero.

Sem dúvida, muito dos brados motivacionais que se ouvem nos palcos, nos shows das mais diferentes espécies, nas telas de TV e computador e nas frases de efeito em livros de títulos tanto carismáticos quanto agressivos podem ter um efeito inflamável que nos causam uma rápida e necessária combustão, capaz sim de nos desacomodar. Porém, tão rápidas quanto nos incendiaram, essas chamas vão se apagando se não forem cultivadas em nossos momentos de reflexão e entendimento de onde estamos em nossa vida, e quais são nossas perspectivas com nossas ações e  movimentos, sejam eles frutos da ação ou da inércia.

Aí reside a força do Coaching: o que vem de fora até pode nos chamar à ação. Porém, para que esse movimento se consolide, é necessário o que vem de dentro.

Olhar o mundo através do Coaching é praticar conexão com a vida, articular-se e instrumentalizar-se através dos aprendizados que surgem da própria autorreflexão constante. É procurar viver os desafios diários com padrões adaptativos mais sofisticados. É abrir mão dos pensamentos mágicos e das promessas de resultados instantâneos e garantidos a favor de atitudes positivas e de confiança que gerem movimento interno, capazes de nos colocar no rumo dos resultados externos desejados. Olhar o mundo através do Coaching é cuidar para que nosso dom mais precioso, a vida, não passe simplesmente por nós enquanto apenas sonhamos acordados com aquilo que poderíamos ser, ou pior, que poderíamos ter sido.


Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli




quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O trabalho e o tempo

No clássico “O Ócio Criativo” publicado em 1995, o sociólogo Domenico de Masi elaborava uma visão de futuro onde as pessoas trabalhariam menos horas por dia, conseguindo se dedicar mais ao lazer e à criatividade, a fim de conseguirem, com isso, trabalhar com mais eficiência enquanto dedicadas às horas profissionais e, também, possibilitando viver uma vida com mais proximidade às coisas que lhes fazem bem, mais plena de sentido.

Mesmo sendo a ideia da obra muito mais complexa do que a exposta nessas poucas linhas, a impressão geral é que trabalhamos cada vez mais, o que, em muitos casos, é fato. Porém, qual tem sido a eficácia deste “trabalhar mais”? Precisamos despertar para a possibilidade de que o futuro ao qual De Masi se referia possa estar em sua aurora. E isso já está trazendo inúmeras implicações.

Nos últimos anos, o mundo vem presenciando a robotização de vários processos de trabalho. Exemplos disso são a manufatura aditiva (produção em 3D), Internet das Coisas e a Inteligência Artificial, processos atinentes ao que os especialistas chamam de indústria 4.0. Além disso, fechando o foco sobre nosso país, o Brasil vem passando por diferentes recessões econômicas que obrigaram grandes e pequenas empresas a diminuírem turnos de trabalho, ou ainda, suspenderem temporariamente contratos de alguns segmentos profissionais, fatos que, consequentemente, culminaram com o fechamento de centenas de milhares de postos de trabalho nos últimos 5 anos. No fim das contas, temos números que indicam um aumento de 68% no desemprego no país entre o primeiro trimestre de 2015 (7,9%) e o segundo trimestre de 2020 (13,3%) (fonte: IBGE).

Indo mais a fundo, a Reforma Trabalhista de 2017, entre diversas novidades frente ao que reza a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT, compilação de leis publicada em 1943), criou a figura do trabalho intermitente, ou seja, o profissional que pode ser contratado por uma organização apenas quando houver demanda, seja por algumas horas por semana, por um dia por mês, ou por alguns períodos do ano, sem que precise estar necessariamente trabalhando única e exclusivamente para essa organização.

Desde a criação da Reforma, o saldo de postos de trabalho de celetistas (profissional normalmente dedicado por meio turno ou turno integral) diminuiu em 194.649, enquanto foram abertas 170.649 vagas de trabalho intermitente. Se olharmos apenas o período da pandemia, o trabalho intermitente conseguiu apresentar saldo positivo de 27.487 novos postos até julho de 2020, contra o fechamento de 1,09 milhão de vagas formais de trabalho. (fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados -  CAGED).

O crescimento do trabalho intermitente não é apenas uma questão de economia para empresas: é um sinal dos tempos. Gostemos ou não, o mundo profissional vem passando por modificações cada vez mais profundas, liquefazendo ocupações e volatizando padrões de direitos trabalhistas tidos como perenes no imaginário coletivo, o que obrigará o trabalhador a assumir com seriedade a responsabilidade sobre sua própria carreira e, consequentemente, protagonismo sobre a vida. Isso porque a relação clássica entre o trabalho e o sustento já vem se modificando, desde as esferas mais carentes da força de trabalho, até as mais altas.

O aumento desse tipo de contratação precisa despertar a todos da importância de que a tendência é que o pagamento a ser recebido passará a ser baseado muito mais por tarefa realizada do que necessariamente por contrato de horas. Essa já é a realidade de mais de 10 milhões de brasileiros que são microempreendedores individuais (MEI), e destes, um percentual que ainda trabalha para alguma empresa e, no tempo que resta, se dedica a uma atividade profissional de sua livre escolha, geralmente mais alinhada com o que aprecia de fato exercer. Tal qual Domenico De Masi imaginou.

Todas essas formas novas das relações trabalhistas precisam ser assimiladas, pois geram impacto direto na qualidade de vida de todos nós, seja no presente, seja no futuro. Todas essas mudanças, e mais o que virá nesse mundo atual e pós-pandêmico nos forçarão a olhar com atenção ao tempo e sua aplicação prática, para que sejamos capazes de usufruir com responsabilidade e criatividade das melhores oportunidades que ele pode nos proporcionar na vida pessoal e profissional, pois, de todos os bens, o tempo é um dos poucos que não pode ser recuperado.

Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli




segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Hakuna Matata da vida real

“Os seus problemas/você deve esquecer!/Isso é viver/é aprender!/ Hakuna Matata!”

Aí está o trecho de uma musiquinha que quem foi criança ou adolescente nos anos 90 tem gravada na mente e no coração. Do filme “O Rei Leão” (Disney, 1994), o termo “Hakuna Matata” vem da língua africana Suaíli e expressa um estilo de comportamento perante os problemas. Significa literalmente “não há preocupações”.

De fato, viver a filosofia Hakuna Matata é viver no tempo presente, tirando dos dias o melhor possível, deixando o futuro se encarregar de si mesmo. É exatamente como vivem os personagens Timão e Pumba, respectivamente, um suricato e um javali, em suas clareiras distantes e abundantes em alimentos e esconderijos da África. Vivem essa filosofia tão bem que são capazes de ensiná-la ao jovem Simba, o leão que, amedrontado, procura fugir de seu passado. Em um primeiro momento, Hakuna Matata devolve a Simba o gosto pela vida.

O leão passa a desfilar pela floresta com outros animais de pequeno porte, agindo como eles e começando, inclusive, a se alimentar de larvas, em um modelo típico e perigoso de “diga-me com quem andas e te direi quem és”. Ao reencontrar a leoa Nala, sua antiga amiga (e futura rainha), Simba conta sobre sua nova forma de viver longe das preocupações, ao que é duramente repreendido por estar se distanciando de suas origens e de seu real potencial de leão. Confuso, Simba tem a oportunidade de revisitar a si mesmo no encontro com o mandril Rafiki, que consegue despertar em Simba o significado do que é ser um leão, sua identidade e sua responsabilidade em deixar de remoer o passado e assumir atitudes concretas que exorcisem os fantasmas que há anos o atormentam (trabalho digno de um Coach).

Assim, Simba volta à sua terra para reivindicar o que é seu por direito: o posto de rei.

Timão e Pumba fizeram o melhor que podiam pelo futuro Rei Leão. Sem dúvida, o salvaram em seu momento de maior necessidade. Quando encontraram o felino já sem forças para viver, o Hakuna Matata foi decisivo para Simba voltar a ter brilho nos olhos. Porém, esse brilho dos olhos era o brilho dos olhos das presas, dos animais que só vivem o agora apenas porque não tem outra opção: podem virar comida dos predadores amanhã, semana que vem, ou daqui a alguns segundos.  Simba precisou voltar a viver o presente porque estava preso ao seu passado. O Hakuna Matata, porém, estava começando a prendê-lo ao seu presente de forma igualmente limitadora. Foi seu despertar para o futuro que lhe cabia que o fez reaver o brilho dos olhos dos grandes animais, daqueles destinados a ocupar lugar de destaque e respeito em seu ecossistema, e que se mantêm firmes diante daquilo que almejam conquistar.

A semelhança entre Hakuna Matata, uma faca e a água é que todas elas são de grande valia para nossas vidas, mas que podem também nos matar quando mal utilizadas. Haverá momentos em que precisaremos encontrar meios de nos afastarmos de nossos problemas para conseguirmos respirar, para termos mais clareza, para olharmos de cima. O agora tem um grande poder curativo, único para que ocorra a reconexão com nosso próprio eixo, de modo que possamos nos afastar da depressão de se viver acorrentado ao passado e a ansiedade de se viver aceleradamente no futuro. Jesus ensinou a olhar para as aves do céu, que não guardam alimento, e nem por isso morrem de fome. Santo Agostinho escreveu que o presente se torna pretérito a cada instante, existindo apenas um presente contínuo. Assim, as aves, vivendo essa grande conexão com o presente, igualmente vivem o hoje e constroem seus ninhos de forma segura e no tempo certo, prevendo possibilitar as condições necessárias para o evento futuro de perpetuação de sua espécie. Assim, viver o agora não precisa significa viver sem olhar para a construção do futuro, até porque seu futuro está sendo construído no agora, seja realizando algo, ou não realizando nada.

Nem todos nós nascemos leões. Mas todos nós podemos ter atitudes dignas da realeza dos leões em relação àquilo que almejamos, nessa selva que nos impele a vivermos e agirmos como simples presas. Que nossa conexão com o presente seja forte e centrada o suficiente para nos impelir não a permanecer presos nele, mas para avançarmos no presente contínuo com firmeza em direção àquilo que nós, seres inteligentes e capazes, pudermos, com sabedoria, alcançar.

Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli



sexta-feira, 24 de julho de 2020

O diprotodonte


O diprotodonte só queria seguir fazendo suas coisas de diprotodonte. Se possível, talvez encontrar algum campo mais farto de grama e folhas para lhe saciar por mais tempo e, quem sabe, amanhã nem precisar se preocupar com o que comer. Só queria seguir carregando suas três toneladas com seus movimentos lentos e tranquilos, seu andar elegante, e ter seus filhotes que, tal qual cangurus modernos, se desenvolveriam nas suas bolsas marsupiais. O diprotodonte só queria seguir fazendo o que já vinha fazendo pelos últimos 1 milhão e quinhentos mil anos.

Essa vontade fleumática do diprotodonte de seguir fazendo tudo igual as suas coisas de diprotodonte acabou o limitando a não perceber as sutis mudanças que seu ambiente começara a sofrer nos últimos tempos. Alterações climáticas que foram com os séculos tornando o ambiente do diprotodonte mais carente. Menor oferta de variedade de alimentos e esconderijos foram o primeiro sinal. Aliado a isso, os primeiros seres humanos que chegaram ao continente australiano, há 65 mil anos, trouxeram consigo a caça e as queimadas, fatores que levaram à extinção não apenas do diprotodonte, mas mais de 90% das espécies da fauna local conhecida que na época pesavam mais de 50kg.

Pode ter levado milênios até que o último diprotodonte tenha colocado os olhos em um ser humano. Porém, esses milênios não foram suficientes para que o diprotodonte conseguisse avaliar o novo quadro em que estava inserido. Ele não se adaptou para se tornar mais rápido. Ele não se tornou mais esquivo. Ele não se tornou mais agressivo. Ele não buscou outras formas de alimentação. Ele apenas caminhou para seu próprio fim, insistindo em, todos os dias, seguir teimosamente fazendo suas coisas de diprotodonte.

O pobre animal que hoje é apenas uma imagem reconstruída dos antepassados de uma subclasse de marsupiais que inclui os coalas, só é conhecido por alguns fósseis ainda hoje encontrados pela Austrália. Sua condição enquanto espécie infelizmente não o permitiu evoluir em discernimento para fazer a leitura das novas situações que estava vivenciando, nem planejar novos comportamentos ou ações.

Quando o ambiente é estático, fazer as mesmas coisas tende a render os mesmos resultados. Se desejamos resultados diferentes, são necessárias atitudes diferentes. Mas como apostar que um ambiente será eternamente estático, se a mudança está sempre se impondo ao longo da história?

Diferentemente, como seres humanos, somos dotados de uma inteligência tal que nos permite analisar o cenário que cada um de nós está vivendo, de adaptar estratégias para a continuidade de nossos projetos, de avaliar as perdas e ganhos de nossas ações, de planejar e realizar projetos percebendo qual é o horizonte, vivendo menos no campo da expectativa e avançando mais no entendimento de quais são as perspectivas que se anunciam.

Assim como o diprotodonte só queria fazer suas coisas de diprotodonte, o ser humano também anseia em fazer suas coisas de ser humano. Cabe a nós perceber quais são as mudanças de cenário que vêm ocorrendo, adaptar e revisitar planos, avaliar quais projetos ainda fazem sentido, estudar formas de maximizar o potencial de nossas realizações e de seguir na construção de nossos legados desejados, aqueles que farão com que nossa existência esteja realmente valendo a pena a partir de nosso próprio ponto de vista.

Ser capaz de interpretar as condições impostas pelo entorno e sua perspectiva sobre cada um de nós nos permite decidir entre avançar, recuar, acelerar, desacelerar, manter, alterar, agir, mudar ou manter comportamentos, a fim de que as metas a serem alcançadas e, consequentemente, muitos de nossos sonhos, não acabem tendo o mesmo fim de nosso querido diprotodonte.



Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli



quarta-feira, 24 de junho de 2020

"I Am Mother" e a atração das velhas crenças


Lançado recentemente, o filme I Am Mother (Netflix, 2019) é ambientado em um futuro apocalíptico, dentro de uma instalação onde uma jovem é criada desde seu nascimento por um robô, a quem chama de Mãe. Tudo o que essa jovem sabe sobre o mundo e sobre si mesma veio dos ensinamentos da Mãe. Os acontecimentos durante o filme vão fazendo a jovem questionar muitas verdades, ocasionando ora a total confiança, ora a total desconfiança na Mãe. E paramos por aqui para não dar mais spoiler!
Bastante significativo é o fato dessa jovem não ter nome, é apenas chamada de “Filha”, o que simboliza sua dependência das decisões da Mãe, que sempre a convence de como agir e em que acreditar. Trazendo o enredo para a construção de crenças, o filme demonstra muito bem a forma com que nossos esquemas cognitivos são construídos desde nossa mais tenra infância (há quem diga que desde a vida intrauterina, ou mesmo antes). Esquemas esses que formam nossos pilares de sustentação para a tomada de decisões e o avanço pela vida.
Por serem nossos pilares, não podemos viver sem crenças. Por mais que possam nos limitar, nossas crenças tem um álibi poderoso: elas nos trouxeram vivos até esse exato momento, seja do jeito que for. Sempre que questionadas, nossas crenças apontam para o exterior, buscando provas concretas de que estão sempre certas, e que seu questionamento representa risco para nossa própria existência. O conflito começa a ocorrer em momentos em que tais crenças, que podem já ter sido importantes, deixam de fazer sentido e começam a limitar nossa evolução e nosso alcance de objetivos. Por menos sentido que possam fazer, elas se manterão ali, firmes, como nossos mentores, dando a palavra final em cada uma de nossas decisões. Por experiência própria, tenho percebido que conseguimos conscientemente aperfeiçoar o funcionamento de algumas crenças por dois ou três anos. Porém, elas seguirão apontando para o exterior, buscando fatos que comprovem que elas estão certas. Assim, a crença funciona como um grande ímã: conseguimos nos afastar por um tempo mas, sem esforço para avançar, acabamos sendo atraídos de volta.
Descontruir voluntariamente uma crença que nos limita (e que muitas vezes nem sabemos) é trabalho possível e que, inevitavelmente, requer dedicação, e requer principalmente que coloquemos em prática novas ações e atitudes pois, com já mencionado, as crenças se fortalecem daquilo que enxergam do exterior. Quer dizer, requer esforço se decidirmos que queremos mais da vida, pois pode ocorrer de nossos pilares virem abaixo em um único instante, como quando em extrema necessidade ou desespero. Então, apesar de adquirirmos crenças novas sem esforço, a dor será muito maior.
Como no filme, o abalo de nossos pilares, seja por vontade ou por aflição, não é um momento indolor mas, certamente, trabalhar voluntariamente naquilo que nos limita é bem menos dolorido. Foi sofisticando esquemas cognitivos para que trouxessem mais benefícios e sendo resiliente para suportar a queda e reconstrução de alguns de seus pilares mais fortes que a Filha passou pelo filme.
Que sejamos menos Filhos ou Filhas de nosso passado, e mais Pais ou Mães de nosso futuro.
Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli
 
 

terça-feira, 2 de junho de 2020

Sonhos durante a pandemia


“Estou nesse avião novamente, ansioso para a decolagem e para as longas horas que ficarei aqui sentado e tenso, até chegar à França. Alguns passageiros vêm se encaminhando para seus assentos, colocando seus pertences no bagageiro, outros já estão sentados. De repente, o movimento dentro do avião cessa, e a aeronave lentamente começa a se movimentar. Nesse momento, uma chuva torrencial cai, e o avião muda sua rota de decolagem. Pela janela, vejo que ele está à beira de um altíssimo morro de terra vermelha, e entendo que ele precisa descer esse morro para conseguir ganhar impulso para a decolagem. Sinto o corpo todo enrijecido pela tensão, perguntando-me se, naquele temporal, conseguiremos mesmo chegar à França”.

Este foi o sonho que tive na madrugada de 02 de junho de 2020. É a terceira vez nos últimos dias que sonho com aviões e França. A maior curiosidade aqui não é o sonho recorrente, mas é eu pessoalmente lembrar de meus sonhos, coisa que dificilmente consigo.

A ciência já comprova que os sonhos são um dos mecanismos usados pelo cérebro para a regulação emocional e formação de memórias de longo prazo, valendo-se em grande parte de metáforas de cunho inconsciente e pessoal. Assim, duas pessoas que sonham com a mesma coisa podem ter razões distintas para tal.

Sabendo disso, saio à pesquisa de alguma relação entre o momento da pandemia e a alteração da capacidade de recordação e recorrência de sonhos, e descubro que sim, há estudos sobre o que vem sendo chamado de pandemic dreams, ou sonhos da pandemia.  A mudança de rotinas, de locais frequentados, a incerteza dos eventos futuros e o stress causado por todo isso têm elevado em 35% a ocorrência de sonhos repetidos e rememorados por pessoas que não costumam lembrar de seus sonhos. Saliente-se que esse é um mecanismo natural do corpo e de nossa psique, que indica que mais pessoas têm tido sonhos mais vívidos, detalhados e marcantes, além de terem acordado mais vezes durante seus sonhos, o que colabora com a sua manutenção na memória.

Como o vírus é obviamente invisível, cada pessoa tem dado a ele uma significação em seus sonhos, que está longe de poder ser interpretada por livros popularescos. O que fica como a maior interpretação desses sonhos é a demonstração de como andam nossas emoções em nossos porões psicológicos e, com essa análise e entendimento, criar planos de ação para a manutenção de nossa saúde física, com a atenção e proteção que o momento exige, e também de nossa saúde mental, na medida em que ambas são pilares de nossa qualidade de vida e propulsores para nossos objetivos.

Assim, nossos sonhos podem ser boas demonstrações de nosso momento atual, e nos dar pistas de como seguir adiante, equalizando a velocidade, profundidade e o impacto de nossas ações.

O Coaching preconiza o movimento embasado nas condições que cada pessoa tem de se movimentar, ampliando sua perspectiva à medida que o caminho possa ser construído. Que bom que me surgiu esse estudo para entender melhor esse meu momento e de meus sonhos. Pesquisa, aliás, realizada pelo Centro de Pesquisas de Neurociência de Lyon.

Lyon, na França.

Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli



quinta-feira, 30 de abril de 2020

Medidas de segurança para o novo


Já faz tempo que falamos em um mundo novo. Falamos em mundo globalizado, mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA), mundo conectado. De certa forma, todas essas novidades foram acontecendo e sendo assimiladas, algumas mais rápido, outras nem tanto. Outras, nem chegamos a entender bem ainda. Mesmo assim, vamos construindo nossas realidades baseados em nossas visões daquilo que vamos vivenciando e nos dando uma sensação de estarmos protegidos. Mas o mundo, quando menos esperávamos, mudou tudo, e de forma muito abrupta.

Esse novo mundo que estamos experienciando agora, ou o “novo novo momento”, como alguns têm chamado, nos demandará olhar com atenção às medidas de segurança necessárias à vida. Não será apenas a exposição física e os protocolos já conhecidos. Serão também novos tempos de buscar medidas de segurança na interação social, novos tempos no campo da economia, novas relações trabalhistas, novas relações de consumo, novas formas de aprender e de cuidar da saúde, seja física ou mental.

Através da Psicologia, o Coaching nos traz uma adaptação do conceito de individuação, uma fase do processo de desenvolvimento pessoal no qual deixamos de atuar apenas impelidos por medos, mas também por coragem para alcançar crescimento e realização   Essa fase só pode ser alcançada após necessidades e valores relacionados à sobrevivência (típica da psique infantil, e que se mantém forte em muitos adultos), conformidade (adequação ao ambiente em que se vive) e autoestima serem satisfeitas. Só somos capazes de atingir a individuação ao superarmos crenças e esquemas cognitivos limitantes, muitos oriundos da infância e do próprio meio cultural que vivemos agora e no passado. De nenhum modo é uma tarefa simples. Vamos lidar com o que temos de mais arraigado às nossas verdades, mesmo que de modo inconsciente e automático. Automatismo, esse, que pode estar agindo contra quem de fato realmente somos. Ainda que nos mantendo vivos, incapazes de almejar mais da vida.

Assim, uma das novas medidas de segurança para esse “novo novo mundo” será olharmos para nós mesmos e focarmos em nossa individuação, entendendo até que ponto nossos esquemas cognitivos nos protegerão efetivamente das incertezas dos  novos tempos, e até que ponto seguiremos manipulados (em todos os sentidos da palavra) por crenças antigas e que nos trouxeram até aqui pela vida, seja ela como esteja. Preparar-se para enfrentar nossa tendência natural de querer que as coisas voltem a ser do jeito que estamos acostumados, pois esse costume nos poupa energia. Reconhecer nossas limitações e capacidades dentro do cenário que nos é imposto e conseguir os melhores resultados possíveis para nossa vida com esse conhecimento.

Vivemos todos dentro de nossas próprias visões de mundo. Se o mundo muda, nossa visão também precisa se adaptar. Assim como nossas atitudes.

Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli



terça-feira, 24 de março de 2020

Restrições e Forças Singulares


Tão importante quanto conhecermos nossos pontos fortes é conhecermos nossos pontos a desenvolver. Até porque são os nossos pontos mais frágeis que delimitam até onde podemos chegar.

Nossa tendência é focarmos apenas em ampliar nossas forças, sem prestarmos atenção que, ao desenvolvermos nossas forças singulares, precisamos também ampliar o lastro para crescimento do campo onde residem características que temos como restrições. Por exemplo, qual é a utilidade de cobrirmos uma casa com o telhado mais caro se o alicerce está a ponto de ceder? Como sustentar um padrão de vida mais caro do que é possível financeiramente? De que adianta termos conhecimentos que não são praticados quando mais precisamos deles? De que serve termos uma inteligência exemplar se não arranjamos canais para colocá-la em prática?

Naturalmente, conhecer nossas forças singulares é o combustível espiritual para chegamos onde queremos. Por forças singulares, entendamos como aquilo que, para cada um de nós, é tão simples de fazer a ponto de nem ser percebido como força. São aquelas características únicas que as pessoas ao nosso redor costumam dizer que, quando as empregamos, realizamos muito bem, ou seja, são nossas forças e características próprias, normalmente aquelas pelas quais somos lembrados. O que precisamos manter também sob nosso foco são nossas restrições, aquilo que temos de limitado para alcançar ou fazer o que queremos, e aí, podemos encontrar restrições de tempo, de dinheiro, de conhecimento, de saúde, de padrões cognitivos, e tantas outras. Querendo ou não, são apenas dentro da restrição desses limites que nossas forças podem se movimentar.

Convido à reflexão se, quando alcançamos algum objetivo, estamos mesmo alcançando novos patamares de nossas forças singulares, ou se estamos mesmo ampliando o terreno restritivo, dando mais espaço para nossas capacidades se pronunciarem.

Estamos no ápice de nossas forças, ou superando nossas limitações?

Aquilo que nos torna seres únicos são nossos pontos de força e de restrição. Reconheçamos tanto os aspectos de força quanto nossos limites. Saibamos olhar sem medo tanto para nossa luz como para nossas sombras.

Grato pela confiança,
Marcelo Pelissioli



quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

As armadilhas da comunicação (dita) assertiva


É sabido que a assertividade na comunicação é uma das características mais valorizadas nas relações interpessoais. Entende-se a assertividade como a habilidade de expressar pensamentos de modo que não haja nem rodeios nem esquivas na comunicação, sem perder de vista o respeito pelo interlocutor e a segurança própria naquilo que se apresenta.
Mesmo aprendendo e praticando as mais variadas e avançadas técnicas de comunicação, ainda podem acontecer ruídos na conexão entre emissor e receptor, ruídos esses capazes de causar transtornos graves nas relações pessoais e profissionais.  São diversos os fatores que podem ocasionar esses ruídos, o principal, o tecido psíquico no qual todos nós estamos imersos, como se fôssemos peixes dentro da água. Esse tecido que nos conecta é formado de diferentes elementos por cada um de nós, uma verdadeira colcha de retalhos de filtros cognitivos que fazem com que alguma mensagem emitida, antes de chegar, flua por esse tecido psíquico até o território de percepção de quem recebe a mensagem. Assim, não basta emitir bem uma mensagem. Precisamos é que ela chegue o mais limpa e menos distorcida possível.
Para tal, conhecer o modelo de Estilos Sociais, desenvolvido por David Merril, é               de suma importância. Esse modelo demonstra graficamente de que modo agimos e interagimos com o mundo, a partir do grau de determinadas características.
Algumas pessoas têm preponderantemente um estilo analítico, tendem a fazer cálculos das situações e valorizar estruturas e mapeamentos. Outros tendem a ser pragmáticos, visando o resultado desejado antes de qualquer outro elemento. O modelo ainda prevê o estilo expressivo,  que gera comunicação espontânea e, por vezes, monológica. Por fim, há o estilo diplomático, cuidadoso na comunicação para evitar conflitos. Todos nós temos em diferentes graus esses quatro estilos sociais facilmente percebidos na comunicação, podendo, sua utilização, trazer benefícios ou prejuízos em diferentes situações.
Imaginemos a comunicação entre pessoas de diferentes estilos, todos com desejo sincero de praticarem assertividade. O estilo diplomático pode tornar sua mensagem cansativa e redundante ao pragmático. O expressivo tende a ter sua mensagem percebida como pueril pelo analítico. A mensagem do analítico pode soar enfadonha ao pragmático que, por sua vez, pode emitir uma característica de frieza à percepção diplomática.
Aperfeiçoar nossas linhas de comunicação para que se adequem ao nosso público ou interlocutor é tarefa fundamental para o cultivo de bons relacionamentos e alcance dos melhores resultados, seja na vida profissional ou pessoal. Conhecer o quanto de cada estilo temos em nós mesmos, e em quais situações tendemos a ter mais ou menos de cada um deles, é um prêmio recebido por aqueles que estão trilhando o caminho do autoconhecimento.

Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli
 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Competências além da técnica


Tal qual satélites naturais ao redor de um planeta, orbitam a pura competência técnica que o mundo profissional exige, quatro características que foram elencadas pela renomada publicação Harvard Business Review, as quais formam um sistema em equilíbrio a ser interiorizado por aqueles que almejam alçar voos profissionais mais altos:

1 – Desejo de superação: que fique claro que superação não significa necessariamente trabalhar muito, mais sim, trabalhar bem. É nos resultados obtidos que se mede a produtividade de um profissional, de modo que a superação mencionada está naquilo que se gerou de produto positivo ao final da empreitada.  Esse desejo é aquele incômodo que o profissional que busca ascensão sente todo o tempo, um pequeno motor que o move para obter sempre um pouco mais em termos de resultado. É ser capaz de se aproximar as “dores” dos donos da corporação de onde trabalha, ou de seus clientes, buscando as melhores medidas para minimizá-las.

2 – Sensores dinâmicos para relacionamentos: muito se fala sobre como será o mercado de trabalho no futuro. Ao que tudo indica, uma parte significativa das profissões dos próximos 30 anos passará por grandes transformações, uma vez que tudo o que puder ser padronizado acabará sendo robotizado. Nesse contexto, o diferencial competitivo das profissões estará exatamente naquelas habilidades que distinguem a nós, seres humanos, dos robôs: inteligência emocional, empatia, resiliência e capacidade de adaptação. Até pouco tempo, havia o alerta para o desenvolvimento mais profundo dessas habilidades nas crianças de hoje, uma vez que ocuparão um mercado de trabalho ainda incerto em suas ocupações. Porém, precisamos nos dar conta que muitos de nós ainda estarão trabalhando nos próximos 30 anos e, ao não termos bem desenvolvidas nossas capacidades de relacionamento inter e intrapessoais, seremos sérios candidatos ao ostracismo profissional.

3 – Espírito empreendedor: não se trata necessariamente de se tornar um empresário. O espírito empreendedor de um profissional pode aflorar mesmo em uma condição de empregado dentro de uma empresa, de modo que esse assuma a organização como sendo sua. A isso, dá-se o nome de empreendedorismo corporativo, uma habilidade a qual o profissional entranha a corporação, seus processos e resultados, não como se isso fosse uma forma de diminuir-se, mas sim, possibilitando que a empresa seja um verdadeiro palco onde esse profissional possa gradualmente mostrar todo seu potencial.

4 – Capacidade catalítica de aprendizado: o profissional de hoje precisa estar sempre aprendendo. Vivemos um momento histórico de volatidade profunda, o que nos obriga a estarmos reciclando conhecimento e garimpando novos aprendizados constantemente, sob pena de, em breve, nos tornarmos profissionalmente obsoletos. O aprendizado, nesse ínterim, não significa apenas o desenvolvimento tecnicista, mas sim, o aprendizado que vem da soma dos fatores que resultam em uma diminuição de energia para serem ativados e, dessa forma, em redução expressiva na velocidade de reação. Ou seja: aprendizado rápido e prática resultante desse aprendizado ainda mais rápida.

Já há algum tempo, a responsabilidade pela carreira de um profissional deixou de estar nas mãos das empresas e passou para as mãos dos profissionais. Condições de ascensão profissional serão um caminho de mão dupla, pois as empresas que não as criarem perderão os melhores profissionais, assim como muitos profissionais ficarão estacionados em suas carreiras se não criarem condições de evolução para si mesmos. 


Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli
 
 

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Essa mania de correr errado


Já fazia tempo que praticava corrida e me sentia bem. Fazia bastante esforço, abria mão de fazer outras coisas, treinava, deixava a preguiça de lado e corria. Todos os dias.
Tinha orgulho de estar correndo entre outros corredores notadamente mais experientes e bem melhor preparados do que eu. Apesar de meus resultados muito abaixo do que eu gostaria, eu estava lá, no meio, me esforçando.

Apesar de tudo, os resultados eram ruins. Normalmente, chegava do meio para o fim do total dos participantes nas corridas, apesar de todo o treino, dedicação, estudos, pesquisas e controle de alimentação.
Eu comecei a botar na cabeça que “bem, se meus resultados não são tão bons, tudo bem, pelo menos estou fazendo algo pela minha saúde, e isso é o mais importante. Preciso perseverar e continuar correndo.
Até que veio a primeira lesão, por excesso. E o que era para ser saudável se tornou um problema de saúde.
Então me recuperei como foi possível, e voltei a correr. Pois a saúde agradeceria.
Não agradeceu muito. Veio a segunda lesão. E bem pior.
Agora, eu não tinha nem bons resultados nas corridas e nem estava colaborando com minha saúde com o que eu estava fazendo. Vivi o famoso “murro em ponta de faca.” Continuar para quê?
Bem, eu me recuperei e continuei correndo. Mas já não mais tanto com as pernas. Hoje, corro com a cabeça e o coração.
***
Quantos de nós, que estamos lendo esse singelo texto, já se pegaram em suas vidas enaltecendo seus esforços e ignorando os resultados? Quantas vezes a vida vira um mero exercício de sobrevivência a cada novo dia, sem nos darmos conta que estamos tendo não mais do que migalhas de ganhos? Quanto tempo, força e energia desperdiçados para tão pouco retorno?
Quanta insistência em projetos sem perspectiva, em querer mudar pessoas, em nos apegarmos a crenças obsoletas, em suportar stress, em achar que estamos sempre certos, quando estamos, no fim das contas, dilapidando nossa própria existência.
***
Quanta corrida fiz que, no final das contas, foi mais um furacão que me levou de arrasto no desvario impensado dos dias, semanas, meses e anos sem reflexão e retomada de controle do que oportunidade de exercer minha própria vontade em fazer o que era melhor para mim.
Quanta corrida errada. Não quero mais.
Quero correr certo. Do jeito que dá certo. E vou aprender medindo meus resultados ao longo do tempo. Estudando. Observando. Ouvindo. Experimentando. Sentindo.
Meus esforços são só meus, e eles por si mesmos não me trazem nada. São os resultados que vêm de meus esforços e de minha experiência que devem valer a pena. Por algum motivo obscuro, nos orgulhamos de nossos sofrimentos, mesmo quando os resultados, sejam eles quais forem, não servem para quase nada.
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Hoje, eu sigo correndo. Persistindo. Não se pode parar.  Só que agora, sigo sob a perspectiva dos resultados bons que minhas limitações de ser humano podem permitir. Feliz e grato por poder me esforçar, mesmo que por vezes o esforço seja um grande exercício de vontade, mas sem perder de vista o que de bom meus esforços investidos vão trazer.
Seja lá o que for que estivermos fazendo: que a experiência valha a pena.

Grato pela confiança,

Marcelo Pelissioli